UMA REFLEXÃO SOBRE A NOVA/VELHA PROIBIÇÃO DA PALMADA

Artigos - Ricardo de Moraes Cabezón

Caríssimo(a) leitor(a) diante de tantas e quantas manifestações de indignação de pais sobre a promulgação da famigerada “Lei da Palmada”, qual seja, a Lei Federal nº. 13.010 de 26/06/14, gostaria de tecer alguns breves comentários sobre a questão a fim de que possamos colaborar com a erradicação de alguns equívocos que vem se proliferando. 

 

Minha interpretação, que fique claro, se sustenta tão somente com base no que temos previsto em texto de LEI (ou seja não vou me basear na cultura do povo que diz que ‘apanhou e nem por isso virou bandido ou morreu’), o que acredito ser o mote principal de revoltas. 

 

Primeiramente é importante informar que a Lei da Palmada (ou Lei Bernardo, fazendo alusão ao garoto do Rio Grande do Sul assassinado cruelmente nesse ano de 2014) trata de proibir o que já estava proibido há mais de 26 anos anteriores a sua criação, ou seja ela apenas acentuou os contornos de uma proibição que já existia! 

 

Explico.

 

A vedação dos castigos físicos sejam eles praticados pelo pai, mãe, tio, professor (etc) é assunto antigo em nosso sistema jurídico que vigora há mais de três décadas! A Constituição Federal em seu artigo 227 estatui que é DEVER da família, sociedade e Estado (ou seja, de todos nós!) afastar a criança e o adolescente de TODA FORMA de violência, crueldade e opressão com absoluta prioridade. (importante destacar que não há no âmbito da CF/88 outro dispositivo que tenha descrito expressamente o termo “absoluta prioridade” o que ressalta a relevância dessa previsão).

 

No âmbito da Lei nº. 8.069/90,  Estatuto da Criança e do Adolescente, encontramos a reiteração dessa proibição nos termos dos artigos 5º.; 18 e 70. Não obstante, vigora no Código Civil desde 2002, para tais casos, as hipóteses sancionadoras de Suspensão do poder familiar (Art. 1637 cc) e, para os casos de reiteração de conduta ou imoderação no castigo, a de Destituição (artigo 1638 CC), além das previsões descritas no Código Penal e na legislação esparsa que criminalizam a conduta e elenca hipóteses qualificadoras e agravantes para os agentes que as praticam.

 

Lembremos que o “castigo” que a legislação proíbe se refere aquelas espécies que causam lesões/danos seja por violar a integridade física ou mental da criança/adolescente. Nesse sentido, outras formas de sanção aplicadas pelos pais aos seus filhos não só podem, como muitas vezes devem, ser adotadas para colocar limites no comportamento arredio da prole, tais como a adoção de castigos de natureza pedagógica, como cortar o acesso a internet, videogame, ‘mac donald´s’, a saída de sábado, redução (ou corte) da mesada, cancelamento da viagem de fim de ano e outras comodidades/supérfluos que servem para presentear a quem efetivamente merece.  

 

Se acharem pouco perguntem ao seu filho ou a qualquer adolescente se ele/ela prefere levar um “psicotapa” ou ficar sem acessar sua rede social, o videogame (etc) por um dia e entenderá o que estamos falando.

 

Infelizmente a violência física no Brasil praticada contra crianças e adolescentes é uma realidade que mata, aleija, queima, cega, deforma e já passou da hora de ser erradicada eis que o povo reclamam das posturas de seus filhos mas, eles mesmos, os pais, em sua significativa parcela não sabem lidar com os seus limites e tampouco com a força descomunal que se exerce contra uma criança num momento de ira. Não sou eu quem digo são as estatísticas e os estudos dos fatos sociais modernos que envolvem a família. 

 

Vejamos o caso comum dos pais que tem que trabalhar arduamente para saldar seus compromissos e deixam suas crianças para serem criadas por professores na escola, pelos tios, irmãos e/ou avós. 

 

Nessas situações é muito frequente termos uma educação sem imposição de limites mesmo porque os pais, nos poucos momentos que estão com seus rebentos, deixam eles extravasarem e fazerem quase tudo que desejam para compensar a ‘culpa’ e o ‘peso na consciência’ pela distância que se impôs, campo fértil e muito perigoso para tornar a criança em um ser dominador da família no anseio de ter satisfeitos os seus caprichos, a qual em dado momento será reprimida provavelmente por medidas drásticas como a famosa “surra” por aqueles que até aquele momentos se abstinham de qualquer censura. 

 

A pergunta é: precisamos chegar a esse ponto limite ou podemos educar pelo exemplo, diálogo ou com o emprego de castigos pedagógicos? Será que somente saberemos educá-los batendo, oprimindo, espancando, ameaçando?

 

Pois bem, na década de 80 os professores também lidaram com essa questão afinal com a promulgação da  Constituição Federal de 1988 foi abolida definitivamente a prática do uso da palmatória, reguadas, do ajoelhar-se em caroço de milho (ou em tampas de garrafa), o famoso nariz de cera (etc). como formas de educação. 

 

Naquela ocasião muitos educadores ficaram desesperados e determinado percentual buscou na aposentadoria precoce ou mudança de profissão uma fórmula de solução ao seu problema. Felizmente, porém, outros descobriram novas práticas pedagógicas para o exercício de seu nobre mister sem o uso de recursos violentos ou humilhantes.

 

Exagerados exclamam “Eu preciso então pedir ‘por favor’ ao meu filho? me ajoelhar para que ele me obedeça? Não posso nem segurá-lo impedindo que saia de casa?” E a resposta sabidamente é NÃO. As prerrogativas do Poder Familiar permanecem as mesmas e caberá a nós ADULTOS entendermos uma melhor forma de contornarmos esses casos. A propósito, em tempos atuais em que dar uma chicotada, esporada ou cintada em um animal causa repúdio, por que com nossos filhos tem que ser diferente? Pensem nisso e reflitam antes de amaldiçoar o legislador. 

 

Porém lembremos que tão nefasto quanto um castigo corporal se apresenta a violência moral/psicológica, situação que lamentavelmente já tratamos em muitos atendimentos feitos à população pela Comissão de Direitos Infantojuvenis da OAB da Seção Estadual de São Paulo quando do exercício honroso deste subscritor por sua presidência entre os anos de 2005-2018,  um tema que se eterniza em minha mente quando lembro de um pai, empresário, que nunca encostou o dedo na filha, porém era tão violento, repugnante e agressivo que ao chegar em casa e ver que a menina havia contrariado suas ordens e deixando o cão dormir em sua cama o retirou com violência e estrangulou na sua frente. Esse terror era tão intenso que a garota aos 07 anos quando ouviu a voz do pai em sua oitiva na audiência de destituição do poder familiar urinou nas calças de medo ... vejam que absurdo!!!

 

Mas não se enganem: com ou sem lei de palmada a violência infantil está longe de ser erradicada.

 

Mesmo com tantos artigos e leis vigentes podem ter a certeza de que INFELIZMENTE essa que é uma das formas mais covardes de violência que temos e continuará a ser perpetrada por pais ou parentes próximos numa condição física extremamente desproporcional, cujas marcas não ganham as raias da publicidade enquanto não desaparecerem do corpo da vítima impedindo assim a sua rápida constatação e a efetividade da norma.

 

E não esqueçam: se virem ou souberem de uma criança que foi espancada ou vítima de maus tratos denunciem! Só assim, com a denuncia e exemplo, poderemos mudar esse jogo.

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