OS EFEITOS JURÍDICOS ORIUNDOS DA QUEBRA DOS ESPONSAIS

Artigos - Ricardo de Moraes Cabezón

 

SUMÁRIO 

 

Introdução. 1.Esponsais no Direito Romano. 2. Esponsais no Direito Internacional. 3. Cenário jurídico brasileiro. 3.1. Histórico legislativo. 3.2. A posição da doutrina brasileira após a promulgação do CC16. 3.3. O cenário atual. Conclusão. Bibliografia.

 

 

 

 

RESUMO

 

 

O presente artigo científico tem por objetivo realizar uma abordagem sobre os efeitos jurídicos oriundos do rompimento do noivado ou namoro. Para tanto nos utilizamos de várias fontes de pesquisa tais como as reminiscências históricas do Direito Romano; coletânea de relevantes pronunciamentos da doutrina clássica e moderna (nacional e estrangeira) além de consignarmos o descritivo das tipificações do tema no Direito Canônico, Alemão, Italiano, Português, Francês, Espanhol, Suíço, Mexicano, Colombiano e Paraguaio. No âmbito nacional colacionamos uma breve análise da evolução histórica do instituto dos esponsais desde as ordenações portuguesas até a promulgação da Lei nº. 10.406/02, como também, o pronunciamento dos tribunais pátrios diante das casuísticas a eles submetidas. 

 

 

Palavras-chave: ESPONSAIS, NOIVADO, NAMORO, ROMPIMENTO INJUSTIFICADO, DANO MATERIAL, DANO MORAL.

 

 

 

 

INTRODUÇÃO 

 

Esponsais ou Esponsália é uma acepção advinda do latim que significa “noivado ou promessa recíproca de casamento”, expressão que ainda é usada por alguns para se referir ao cônjuge como ‘esposa’ ou ‘esposo’.

 

            Na acepção jurídica o termo ganha contornos de expectativa de direito. Kipp e Wolff[1] definem como “el convenio de futuro matrimonio entre un hombre y una mujer”, sendo certo que no decorrer do tempo sua natureza fora considerada da mera situação de fato à de verdadeiro contrato.

 

 

            Antônio Chaves apud Jorge Shiguemitsu Fujita[2] preleciona que “a promessa, mais a atitude de quem a rompe constituem o fato complexo a que a lei relaciona certas consequências jurídicas” “sendo estas extracontratuais”.

 

            Pontes de Miranda[3] em suas magistrais lições ressalta que:

 

Os esponsais são ato de dimensão ética e não entram no mundo jurídico, permanecendo para o direito, no mundo ético, "mas podem dar ensejo a lesões, que se considerem atos ilícitos absolutos, por serem provenientes de dolo ou mesmo só de culpa, e desde que o noivado determinou despesas, ou mudanças de profissão ou suspensão de estudos, ou vendas para a preparação de situações necessárias ou acordadas para o futuro, e o rompimento causa perdas ou danos, e há culpa de um dos noivos, o direito à indenização exsurge".

 

 

Planiol e Ripert[4], em sentido contrário, apregoava que o Direito tem as promessas de casamento por inexistentes” seguido por Guy Raymond[5] que de forma mais severa acentua que “tal é o conceito de liberdade matrimonial hoje vigorante, que a “promessa de casamento” fica reduzida a pouco mais que um “idílio sem consequência jurídica”.

 

          Contudo, os esponsais, por compreender a fase de aproximação afetiva do casal visando conhecimento mútuo, a descoberta de afinidades e eventual preparação para núpcias futuras, dentre outros aspectos, teve sua discussão perenizada sendo tema de discussões e debates no âmbito do Direito Romano, sistema jurídico de referência e inspiração ao direito contemporâneo.

 

1. ESPONSAIS NO DIREITO ROMANO

 

Em Roma os esponsais tinham configuração de contrato (verbal), o chamado ‘sponsio’, sendo a mulher prometida chamada de sponsa e o homem por sua vez como sponsus, de cujos termos surgiram derivações linguísticas até hoje usadas em algumas famílias (esposa, esposo). 

 

Florentino apud o eminente Prof. Álvaro Villaça de Azevedo[6] o define como “sunt mentio er repromissio futurarum nuptiarum”, que em uma tradução livre significa ‘os esponsais são a menção e a promessa de futuras núpcias’ 

 

Ebert Chamoun[7] assevera que “para o compromisso, exigia-se a idade mínima de sete anos à época de Justiniano, enquanto que no Direito Clássico bastava o discernimento”.  Paulo Nader[8] por sua vez comenta que não cabia desistência unilateral para assumir outro compromisso sob pena de infâmia e aduz que no período pós-clássico os esponsais se assemelhavam ao casamento de tal forma que infidelidade passou a ser tida como adulterium e o noivo injuriado poderia se valer da actium iniuriarum.

 

Realizado geralmente entre os pais dos noivos (pater familiaes), perante parentes e amigos concretizado com a entrega do anel (aliança). 

A Aliança, objeto até hoje ostentado nas mãos dos noivos, era considerada em sua origem Arrhae sponsaliciae, objeto de valor que se dava por perdido em caso de quebra da promessa, hipótese em que era cabível também a famigerada Actio Sponsu, demanda específica visando obter as perdas e danos.   

 

2. ESPONSAIS EM DIPLOMAS INTERNACIONAIS

 

            No DIREITO CANÔNICO, mais precisamente no Cânone 1062 encontramos o reconhecimento de que é cabível reparação de danos, caso existente, ipsis verbis:

 

§ 1. A promessa de matrimónio, quer unilateral quer bilateral, chamada esponsais, rege-se pelo direito particular, que tenha sido estabelecido pela Conferência episcopal, tendo em consideração os costumes e as leis civis, se existirem.

§ 2. Da promessa de matrimónio não se dá acção para pedir a celebração do matrimónio; dá-se porém para reparação dos danos, se para ela houver lugar.

 

            Na ALEMANHA o Bürgerliches Gesetzbuch (BGB) de 1896, contempla entre os artigos 1297 a 1302 a abordagem do assunto, naquele país os esponsais, chamados no idioma local de verlöbnis, não obriga o casamento nem a eventual clausula penal. 

 

Contudo, caso não haja um motivo que seja segundo a lei “poderoso” para o fim do relacionamento deve ser paga indenização ao noivo prejudicado, seus pais e/ou terceiros e se houve coabitação entre o casal cabe a indenização por dano moral. Ambos nubentes podem pedir devolução dos bens e a prescrição ocorre em 02 anos 

 

Na ITÁLIA o tema é abordado entre os artigos 79 a 81 do Codice Civile, segundo os quais o promitente arrependido não é obrigado a casar e a indenização fica atrelada aos limites das despesas e obrigações desde que feita por escritura pública ou particular

 

O promitente que deu origem a justo motivo para o fim da relação não será ressarcido e sujeita-se a obrigação não só quem rompe mas quem deu motivo a desistência. 

 

Na legislação italiana o prazo para interposição da ação indenizatória é decadencial de 01 ano a contar da data da recusa.

 

Por fim em que pese não prever dano moral a doutrina sustenta cabimento seu cabimento, conforme Casati e Russo, ipsis verbis, “trattasi di obbligazione ex lege, che trova la sua fonte in ragioni di giustizia e di equitá”[9].

 

Na codificação PORTUGUESA o tema dos esponsais é tratado no Código Civil nos Artigos 1591-95 e o termino da relação deve ser precedida de um justo motivo, caso contrário há o dever de reparar não somente ao noivo prejudicado como também aos seus pais. 

 

A norma não prevê o cabimento de dano moral, porém foi a única em que encontramos uma previsão legislativa para hipótese de morte ocasião em que o noivo sobrevivo é dispensado de entregar as doações que recebera aos herdeiros do falecido, porém não pode reaver as suas. 

 

Prazo decadencial de 01 ano para se pleitear os danos e lucros cessantes. Na obra do Professor Venosa[10] encontramos uma curiosidade segundo o qual a lei portuguesa “também permite colocar no polo passivo o terceiro que deu margem e motivo para que o noivo desistisse da promessa”. 

 

Na FRANÇA, em que pese não existir disciplina autônoma ao instituto temos a aplicação da teoria do abuso do Direito cuja práxis francesa tem se revelado mais generosa com o nubente ofendido conferindo a ele direito a ressarcimento por danos materiais e morais. 

 

Acerca do tema Demogue[11] já dizia que "la rupture sans motif d'une promesse de mariage peut donner lieu à indemnité pour les soupçons qu'elle fait peser sur la personne délaissée". No mesmo esteio  Carbonnier[12] explica que "la réparation demandée peut concerner un préjudice matériel (ex. des  dépenses avaient déjà été faites en vue du mariage), mais c'est plus ordinairement un préjudice moral qui est invoqué par la fiancée délaissée (trouble psychologique, atteinte à la réputation)". 

 

A legislação civilista ESPANHOLA (Real Decreto de 1889) por força de seus artigos 42 e 43 é mais pragmática e restritiva ao estabelecer expressamente que:

 

Artículo 42. La promesa de matrimonio no produce obligación de contraerlo ni de cumplir lo que se hubiere estipulado para el supuesto de su no celebración. No se admitirá a trámite la demanda en que se pretenda su cumplimiento.

 

Artículo 43. El incumplimiento sin causa de la promesa cierta de matrimonio hecha por persona mayor de edad o por menor emancipado sólo producirá la obligación de resarcir a la otra parte de los gastos hechos y las obligaciones contraídas en consideración al matrimonio prometido. Esta acción caducará al año contado desde el día de la negativa a la celebración del matrimonio.

 

 

Outros países que foram pesquisados:

 

- SUÍÇA e MÉXICO: possuem na legislação previsão expressa de cabimento de Dano Moral;

 

- COLÔMBIA: Não reconhece os esponsais; 

 

- PARAGUAI – Prevê dano moral e na prática os Tribunais tem aplicado na generalidade em virtude de uma questão social/ histórica; e

 

- DIREITO ANGLO AMERICANO: breach of marriage promisse – são concedidas vultuosas indenizações. 

 

 

 

3. O CENÁRIO JURÍDICO BRASILEIRO

 

3.1. HISTÓRICO LEGISLATIVO 

 

No direito brasileiro précodificado, a Lei de 06 de outubro de 1784 (Império) conferia ao noivado natureza contratual, exigindo a forma de escritura pública e 02 testemunhas para sua realização e sujeitando seu inadimplemento a indenização por perdas e danos. Tal previsão vigorou até 1890, quando tivemos a edição do Decreto 181 que revogou as regras anteriores e não tratou do assunto.

 

A Consolidação das Leis Civis de Teixeira de Freitas (metade do séc. XIX) tratou do tema. Previa-se multa para hipótese de injusto repúdio e na falta de estipulação caberia ao juiz arbitrar.

 

O tema foi confirmado em seu esboço na rubrica dos contratos de casamento (Arts. 1237 a 1253). Estes poderiam ser apenas esponsalícios ou tratar de disposições patrimoniais. 

 

Porém nos Códigos Civis de 1916 e 2002 não foi sequer citado sendo que a prática ficou no âmbito dos costumes e tradições. 

 

O Código Civil de 1916 dispunha de indenização à mulher agravada em sua honra por ter sido “seduzida com promessas de casamento” (art. 1548, III), porém trata-se de outro instituto distinto das esponsais que visava o dano moral provocado pela sedução, não a promessa.[13]

 

Arnold Wald[14] comenta que Clóvis Beviláqua no anteprojeto do CC16 fez menção aos esponsais e ao dever de indenização quando de sua quebra, porém foi considerada despicienda tal menção em virtude do que aludia o art. 159 do CC. Segundo a redação do anteprojeto os ajustes deveriam constar das proclamas.

 

Vê-se, portanto, que os esponsais não são tratados como disciplina autônoma pelo Direito Brasileiro carecendo da aplicação das regras gerais dos atos ilícitos.

 

Existe, porém, uma menção no âmbito do Direito das Obrigações no artigo 546 (antigo artigo 1.173 cc16) que diz:

A doação feita em contemplação de casamento futuro com certa e determinada pessoa, quer pelos nubentes entre si, quer por terceiro a um deles, a ambos, ou aos filhos que, de futuro, houverem um do outro, não pode ser impugnada por falta de aceitação, e só ficará sem efeito se o casamento não se realizar.

 

 

Tal disposição se assemelha ao tratamento romano segundo o qual a doação feita em contemplação de nupciais era condicionada (clausula si nuptiae sequantur ou seja, se se seguirem as núpcias).

 

 

3.2. A POSIÇÃO DA DOUTRINA BRASILEIRA APÓS A PROMULGAÇÃO DO CC16

 

As ideias de Teixeira de Freitas e Clóvis Bevilacqua, em que pese não terem sido acolhidas para fins de previsão autônoma do instituto dos esponsais na legislação pátria não foram desprezados pela doutrina a qual não só tratava do assunto como o aperfeiçoava.

 

Eduardo Espínola[15]em 1957 já asseverava que para haver condenação de outrem na indenização pelo rompimento da promessa de núpcias era necessário analisar na casuística fática o preenchimento de requisitos prévios, ipsis verbis:

 

 

"A reparação deverá abranger: a) todas as despesas razoavelmente efetuadas, em vista do casamento em projeto; b) os prejuízos diretamente decorrentes da circunstância de se haver tomado alguma determinação especial em relação aos bens, ou de haver a noiva perdido ou rejeitado alguma colocação, confiante no próximo consórcio. Não se nos afiguram ressarcíveis os lucros cessantes, relativos às vantagens econômicas esperadas pelo casamento, porque, em nossos costumes, não é o casamento um negócio, como outro qualquer, do qual possa surgir a expectativa de auferir lucros. Não cremos também que a indenização compreenda o prejuízo, mais ou menos hipotético, de haver a noiva, para manter o compromisso, perdido a oportunidade de contrair outro casamento. O dano moral é indenizável, principalmente quando haja desonra, nos termos do art. 1.548, III, do Código Civil".

 

            O eminente Professor Washington de Barros Monteiro[16], em 1975, sustentava que “provada a culpa do arrependido, que este não teve justo motivo para reconsiderar sua decisão, assiste ao prejudicado o direito de obter judicialmente a reparação do dano”. No ano seguinte o mercado editorial contemplava também o pronunciamento da Professora Georgette Nacarato Nazo[17] favorável ao cabimento de indenização por danos morais ressalvando, contudo, que a fixação deveria ser por arbitramento presidida de conveniente moderação, se por outro meio mais fácil não puder ser estipulado.

 

Temos, portanto, que dos bastidores até a promulgação do Código Civil de 1916 possuíamos expoentes do direito civil brasileiro sustentando a existência e aplicabilidade de responsabilidade civil pela quebra dos esponsais, como também o surgimento de uma teoria mais liberal que previa o cabimento de cabível indenização além do ressarcimento dos danos materiais.

 

 

 

3.3. O CENÁRIO ATUAL

 

A tendência da doutrina e jurisprudência contemporânea brasileira, veio se consolidando no tempo como favorável à plena liberdade de desfazimento da promessa de casamento visando evitar a existência de coação indireta para realização das núpcias, situação em que encontramos oportunamente o Prof. Paulo Nader[18]em sua obra se utilizando o adágio “a amar e a rezar a ninguém se pode obrigar”.

 

            Tal entendimento foi plenamente acolhido pelo Tribunal Bandeirante que nessa linha decidiu:

 

 

APELAÇÃO - Indenização - Não há falar em indenização pelos afazeres domésticos, salvo em hipóteses excepcionais, pois a vida em comum pressupõe assistência material e moral reciprocas, de modo que os serviços do lar constituem dever e direito dos companheiros – Incabível o pagamento de indenização pelo dano sentimental, que a apelante alega ter sofrido pela quebra da promessa de casamento, é incabível - Além disso, desavenças entre casais são comuns e não foram trazidos aos autos elementos capazes demonstrar a ocorrência dos danos que alega ter suportado, tampouco pode o comportamento do apelado ser caracterizado como ato ilícito – Recurso desprovido, (Apelação Cível 4054804700, Relator: Sérgio Gomes, Comarca: Itu, Órgão julgador: 9ª Câmara de Direito Privado TJSP, Data do julgamento: 12/02/2008, Data de registro: 26/02/2008).

 

INDENIZAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL DANO MORAL INOCORRÊNCIA AUTORA QUE SE ILUDIU COM PROMESSA DE CASAMENTO CASO DE MERA SUSCETIBILIDADE, QUE NÃO TRADUZ DANO AUSÊNCIA DE ILICITUDE DO COMPORTAMENTO VERBA INDEVIDA SENTENÇA MANTIDA RECURSO IMPROVIDO INDENIZAÇÃO. DANO MATERIAL INOCORRÈNCIA AUTORA QUE SE ILUDIU COM PROMESSA DE CASAMENTO E NÃO COMPROVOU TER ADQUIRIDO IMÓVEL CONJUNTAMENTE COM O REU CASO EM QUE A COLABORAÇÃO MATERIAL PARA AQUISIÇÃO DO BEM E IMOBILIÁRIO NÃO FICOU SUFICIENTEMENTE PROVADA VERBA DEVIDA SENTENÇA MANTIDA RECURSO IMPROVIDO. (TJSP: APELAÇÃO CÍVEL COM REVISÃO n° 516.349-4, Relator: Vito Guglielmi, Data de registro: 09/08/2007).

 

Rompimento de noivado. Indenização. No que corresponde aos danos materiais, as partes já se compuseram anteriormente. Quanto aos danos morais, não se vislumbra ter a autora se exposto ao ridículo na sociedade em que vive, mas, sim, o que está configurada é a sua susceptibilidade exacerbada, o que é insuficiente para originar a indenização pleiteada. Apelo desprovido. (TJSP: APELAÇÃO CÍVEL n° 319.696-4/0-00, Relator: Natan Zelinschi de Arruda, Data de registro: 10/04/2007).

 

Indenização. Rompimento de relacionamento afetivo. Não caracterização de indenização. Autodeterminação da pessoa deve prevalecer. Namoro ou mesmo noivado configura estágio probatório para eventual união estável ou casamento. Apelo desprovido. (TJSP: APELAÇÃO CÍVEL COM REVISÃO 309.104-4, Relator: Natan Zelinschi de Arruda, Data de registro: 16/01/2007).

 

Ação de indenização por danos materiais e morais. Rompimento de noivado. Ausência de comprovação de abrupto e unilateral término da relação. Indicativo na prova de que a relação terminou por consenso mútuo. Inexistência, ademais, de cerimônia de casamento agendada e distribuição de convites. Fim do relacionamento que importou em mero aborrecimento, sem status de lesão moral indenizável. Danos materiais. Realização de despesas suportadas em prol do patrimônio dos noivos. Pagamentos realizados pela autora. Comprovação. Pretensão de elevação repelida. Juros de mora. Incidência a partir da citação. Aplicação do disposto no artigo 219 do Código de Processo Civil. Apelo da autora improvido, com parcial acolhimento do recurso intentado pelo réu. (TJSP: Apelação com Revisão 4756334300, Relator: Donegá Morandini, Comarca: Jundiaí, Órgão julgador: 3ª Câmara de Direito Privado, Data do julgamento: 11/03/2008, Data de registro: 24/03/2008).

 

RESPONSABILIDADE CIVIL - DANO MORAL - RUPTURA DE NOIVADO - ROMPIMENTO BILATERAL- PREJUÍ ZO MORAL NÃO CARACTERIZADO- SENTENÇA DE IMPROCEDENCIA NESTE ASPECTO - RECURSOS IMPROVIDOS. DANOS MATERIAIS ROMPIMENTO DE NOIVADO - DEVER DE RESSACIR OS GASTOS EFETIVAMENTE COMPROVADOS COM A REFORMA DA CASA DA NOIVA. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA EM PARTE - RECURSO DO AUTOR PROVIDO EM PARTE, PARA RECONHECER O DEVER DE INDENIZAR O VALOR DESPENDIDO COM JOGO DE JANTAR, IMPROVIDO O RECURSO DA RÉ RECONVENÇÃO - BENS MÓVEIS COMPRADOS PELA RECONVINTE NÃO IMPUGNADOS NA CONTESTAÇÃO - PRECLUSO O DIREITO DE RECLAMÁ-LOS NO RECURSO DE APELAÇÃO – SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA - IMPROVIDO O RECURSO DO AUTOR. (TJSP: Apelação Com Revisão 5377294200, Relator: Oscarlino Moeller, Comarca: Matão, Órgão julgador: 5ª Câmara de Direito Privado, Data do julgamento: 30/01/2008, Data de registro: 07/02/2008).

 

 

            Contudo temos precedentes no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo no qual a  5ª Câmara de Direito Civil assim asseverou “diversamente de outros sistemas derivados da tradição romanística, nosso direito não acolheu os esponsais, exatamente para que a liberdade de consentir fosse plenamente manifestada no ato de celebração do matrimônio” (09.02.96, JTJ 180/113), nesse esteio de se negar a existência dos esponsais e o respectivo tratamento jurídico pelo direito pátrio colacionamos as ideias de Luis Felipe Haddad apud Yussef Said Cahali[19] que assevera:

 

“O casamento é um ato jurídico que não comporta começo de execução por qualquer forma de “promessa”. O “compromisso amoroso” entre homem e mulher, é por natureza, eivado de risco, pois a ruptura se insere em favores de extremo subjetivismo, próprios da complexidade existencial da pessoa humana”. 

 

 

            Tais entendimentos, jurisprudencial e doutrinário, acima descritos são minoritários sendo certo que na atualidade tanto a doutrina como a jurisprudência se alinham em plena sintonia com a possibilidade de se aplicar a indenização de dano moral desde que se adotando critérios para sua identificação e mensuração.

 

Destarte Paulo Nader[20] ressalta que  o assunto é atinente ao campo da responsabilidade subjetiva impondo-se o ônus da prova ao noivo preterido, ao qual cumpre demonstrar: a) a existência dos esponsais; b) rompimento da promessa pelo consorte; c) os danos sofridos asseverando ainda que “Dano moral se patenteia quando o rompimento se efetiva sem justa causa e em condições tais que impliquem vergonha e humilhação para o noivo preterido” e advertindo que deve haver ponderação na estipulação dos danos para que não se force o casamento sem consentimento.

 

O festejado Prof. Álvaro Villaça de Azevedo[21], por seu turno e com a habitual clareza condiciona a indenização material a três elementos, quais sejam, 1) que o próprio arrependido tenha feito a promessa de casamento (não seus pais); 2) que não haja motivo justo para a rescisão do compromisso; e 3) que exista dano. No tocante ao Dano Moral ensina que é necessário ocorrer dolo e que reste comprovada humilhação, e/ou ofensa a honra do ofendido, e/ou violência física ou moral, e/ou agressão a sua dignidade pessoal. 

 

Cabe por fim citarmos o dever de cautela citado por Edgard de Moura Bittencourt apud Maria Helena Diniz[22] que assim preleciona “é direito seu reconsiderar a escolha da esposa, mas é obrigação fazê-lo de forma discreta, sem ofensa, nem injúria. Por agir de modo cruel e abusivo, por isso e não pelo arrependimento, é que deverá pagar”.

 

            É harmonizado com esses entendimentos que encontramos decisões em que não só foi reconhecido o direito a reparação pelos danos materiais oriundos em virtude do fim do relacionamento, como também de ao pagamento de dano moral, vejamos:

 

“O noivado, também denominado esponsais, é a promessa recíproca que duas pessoas fazem, entre si e perante a sociedade, de contrair casamento futuro. Enquanto na Roma antiga a sponsalia era uma instituição com ampla tutela jurídica, sendo um ato solene que gerava efeitos às partes, no ordenamento jurídico pátrio não há qualquer disciplina expressa ao instituto; contudo, doutrina e jurisprudência já pacificaram há muito a efetiva tutela ao rompimento desavisado da promessa de casamento feito às vésperas de sua realização, enquadrando a no ramo da responsabilidade extracontratual, nos moldes dos arts. 186 e 927 do Código Civil. 

[...]

Assegurada a liberdade de qualquer dos noivos de se arrepender da escolha feita, não se pode perder de vista a responsabilidade do arrependido para com o sentimento e a afeição alheios construídos ao longo do caminho percorrido juntos; o ideal seria que toda ruptura fosse marcada pela mesma reverência e respeito que envolveram os dias apaixonados – ‘tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas’, tais são as já eternas palavras de Antoine de SaintExupéry.

[...]

Ausente a devida discrição e justificativa, ainda que se constitua um risco inerente a qualquer relacionamento, sendo possível a qualquer tempo, o fim se torna abrupto, avassalador para a parte que não o esperava, causando profundas e talvez irrecuperáveis marcas em sua integridade emocional, as quais, portanto, podem e devem ser tuteladas pelo direito, gerando presumidamente, ao contrário do entendimento do requerido, dano moral indenizável, afastando se, portanto, a tese apresentada por este em seu recurso adesivo. Certo o ato ilícito a ensejar reparação, seu quantum deve ser aquilatado com moderação”. (TJSP: Apelação 924547044.2005.8.26.0000; Relator: Miguel Brandi; Comarca: Assis; Órgão julgador: 7ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 17/08/2011).

 

Em outra decisão, tendo por relator o Prof. José Luiz Gavião de Almeida, o Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu não ser devida indenização pelo rompimento do relacionamento, diante da ausência de conduta culposa do noivo arrependido:

 

“No presente caso o apelante compareceu na casa da apelada para informá-la que não possuía a intenção de casar, pois estava confuso e não sabia o que mais queria para a sua vida. É verdade que o sofrimento emocional da apelada teve como causa o rompimento do noivado.

Mas também é verdade que a mágoa, o sofrimento e a desilusão são riscos inerentes aos relacionamentos humanos e que o desfazimento da promessa de casamento, sem a caracterização de conduta acintosa do agente da ruptura em humilhar ou ofender o outro, está

inserida nesses riscos.

No mais, o direito civil brasileiro, diversamente de outros diplomas alienígenas, não disciplinou os esponsais como instituto autônomo buscando a reparação dos prejuízos causados pelo rompimento da promessa de casamento. Segundo a doutrina, a responsabilidade civil pelo descumprimento da promessa de casamento somente dá causa a danos morais indenizáveis quando verificados os pressupostos do ato ilícito ou abusivo. 

[...] 

Dessa forma, o direito não pode usar a indenização por danos morais como subterfúgio ao instituto romanístico dos esponsais, visando compelir que a promessa de casamento seja adimplida, sob pena de pagamento de indenização.

Ficou comprovado nos autos que o recorrente se pautou pela discrição ao informar a recorrida da intenção de romper o noivado. Em nenhum momento ele teve o dolo de humilhar ou causar algum dano exagerado à sua ex-noiva.

Assim nenhuma indenização por danos morais por ele é devida, no sentido de que não cometeu nenhum ato ilícito, ou mesmo que tenha agido com abuso de direito.” (TJSP: Apelação 906609923.2005.8.26.0000; Relator: José Luiz Gavião de Almeida; Comarca: São Paulo; Órgão julgador: 9ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 14/04/2009).

 

         

CONCLUSÃO

 

 

 

            Os esponsais em todo o mundo continuam a produzir estudos e pronunciamentos jurídicos uma vez que fazem parte da vida cotidiana das pessoas e dos relacionamentos amorosos se traduzindo em toda a sorte de casuísticas, às quais, não raramente geram consequências desastrosas quando do término da relação.

 

            No Brasil apesar da disciplina não ser tratada de forma autônoma temos que a sua ocorrência enseja repercussões jurídicas seja na devolução dos presentes, no ressarcimento de despesas feitas com as obrigações propter núpcias  tais como as despesas de viagem de lua de mel, contratação de buffet, fotografia, aluguel carro, vestido de noiva, decoração, reserva do salão festas, confecção de convites e lembranças, reserva igreja (etc) ou do pagamento de dano moral quando preenchido seus pressupostos e sobretudo na caracterização de um dano que vai além do nexo causal.

 

            O fundamento da ação reparatória é extraído da interpretação extensiva dos Arts. 1º, III e 5º, X da Constituição Federal como também no Artigo 186 CC, cujo ônus da prova caberá ao noivo que se sentiu prejudicado com a quebra da promessa podendo se utilizar para comprovação do ocorrido de contratos assinados para aluguel de buffet, reserva de igreja, confecção de convites de casamento, compra de imóvel, reserva de hotéis e passagens aéreas além de filmagens, e-mails trocados, SMS, WhattsApp, declarações em redes sociais, documento de reserva de igreja, testemunhas, etc.

 

 

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[1] Derecho de Familia. 2ª ed. tomo IV, vol. I, Barcelona, Bosch: Casas Editorial S.A., 1979. p. 24.

[2] Curso de Direito Civil. Direito de Família. 2ª ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003. p. 21.

[3] Tratado de direito privado. 2. ed. LIII, Rio de Janeiro: Borsoi, 1958. p. 233.

[4] Traité Pratique de Droit Civil Français, 2ª ed., Paris, Librairie Générale de Droit e Jurisprudence, 1952, Tomo II, § 8, p. 70.

[5] apud Caio Mario da Silva Pereira, in Instituições de Direito Civil. Direito de Família. vol. V. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010.p.81.

[6] Curso de Direito Civil. Direito de Família. São Paulo: Atlas, 2013. p. 48.

[7] Instituições de Direito Romano. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1968. p. 153.

[8] Curso de Direito Civil. Direito de Família, Volume 5. 3ª edição rev. e at. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 42.

[9] Manuale del Diritto Civille Italiano, 2. ed. Torino: Unione Tipográfico-Editrice Torinese, 1950, p. 85.

 

[10] Direito Civil. Direito de Família.13. ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 33.

[11] Traité des Obligations em general. Paris: Liv. A. Rosseu, 1924, p. 59.

[12] Droit Civil. 2. ed.  vol. I. Paris: PUF, 1957. p.104.

[13] op. cit. p.44. 

[14] Direito Civil. Direito de Família. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 92.

[15] A família no Direito Civil Brasileiro. 2. ed. Rio de Janeiro: Conquista, 1957. p. 43 

[16] Curso de Direito Civil. Direito de Família. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 1975. p. 34.

[17] Da Responsabilidade Civil no pré-contrato de casamento. São Paulo: Bushatsky, 1976. p.139.

[18] Op cit. p. 43.

[19] Dano Moral. 3. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 741.

[20] op cit. p. 44.

[21] Curso de Direito Civil. Direito de Família. São Paulo: Atlas, 2013. p. 50.

[22] Curso de Direito Civil Brasileiro. Direito de Família. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p.49.

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