CONTRATO DE COMPRA E VENDA

Artigos - Ricardo de Moraes Cabezón

SUMÁRIO 

 

Introdução. 1. Do Art. 481 CC. 1.1. Da Terminologia. 1.2. Das Características. 1.3. Cenário Internacional. 1.4. Sobre os caracteres de Onerosidade Comutativa e Aleatória. 2. Do Art. 482 CC.  Conclusão. Bibliografia.

 

 

 

RESUMO

 

O presente artigo científico tem por objetivo realizar uma abordagem sobre os termos dos artigos 481 e 482 do Código Civil de 2002 (Lei nº.10.406/02). Para tanto nos utilizamos de várias fontes de pesquisa tais como as reminiscências históricas do Direito Civil Pátrio; coletânea de relevantes pronunciamentos da doutrina clássica e moderna além de consignarmos o descritivo das tipificações sobre o tema no Direito Italiano, Francês e Português. 

 

 

Palavras-chave: COMPRA E VENDA CIVIL. ELEMENTOS. 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

INTRODUÇÃO

 

 

Um dos instrumentos contratuais mais utilizados numa sociedade capitalista, é sem dúvida o de compra venda, o qual recebeu no Brasil um tratamento especial do legislador, sendo regulado pelo Código Civil por mais de 50 dispositivos (Artigo 481 a 532 da Lei nº. 10.406/02).

 

Nesse esteio o presente estudo pauta sua abordagem tão somente a dois dispositivos, quais sejam, artigos 481 e 482 do Código Civil. 

                     

 

O Artigo 481 do CC, um dos objetos do presente estudo, trata da definição do contrato de compra e venda, enquanto que os termos do Art. 482 trata de seus elementos constitutivos condicionantes para que o contrato se perfaça e vincule as partes quanto ao estipulado no negócio.

 

Passemos então aos seus estudos e comentários.

 

1. DO ARTIGO 481 CC

 

O artigo 481 do Código Civil vigente assim discorre:

 

Art. 481. Pelo contrato de compra e venda, um dos contratantes se obriga a transferir o domínio de certa coisa, e o outro, a pagar-lhe certo preço em dinheiro.

 

 

Com idêntica redação àquela prevista no Código Civil anterior em seu Art. 1.122, temos que tanto no Códex de 1916, quanto no vigente de 2002 o Contrato de Compra e venda assume grande serventia social e retrata larga tradição histórica, sendo o primeiro dos contratos nominados (ou típicos) em nossa codificação civilista, ensejando por parte de Orlando Gomes[1] a afirmação de que:

 

“por seu substrato econômico a compra e venda é um dos contratos mais frequentes e de maior importância social como instrumento de circulação dos bens”.

 

Sobre os termos que definem o instrumento de compra e venda Clóvis Beviláqua[2] asseverava que:

 

“compra e venda é o contrato pelo qual uma pessoa se obriga a transferir a outra o domínio de uma coisa determinada, por preço em dinheiro ou em valor fiduciário equivalente”.

 

            Carlos Roberto Gonçalves[3] comenta que o Código Civil de 2002, em virtude de ter revogado a primeira parte do Código Comercial (CC, Art. 2.045) eliminou as distinções legais entre o instrumento contratual de compra e venda civil e de compra e venda mercantil, unificando as obrigações com base no modelo civil eis que trouxe “para o seu bojo a matéria constante do diploma mercantilista, procedendo desse modo a unificação parcial do direito privado”.   

 

Acerca do assunto o ilustre professor, Miguel Reale[4] comenta:

 

“o objetivo visado não foi estabelecer a unidade do direito privado. O que na realidade se fez ‘foi consolidar e aperfeiçoar o que já estava sendo seguido no País, que era a unidade do Direito das Obrigações. Como o Código Comercial de 1850 se tornara completamente superado, não havia mais questões comerciais resolvidas à luz do Código de Comércio, mas sim em função do Código Civil. Na prática jurisprudencial, essa unidade das obrigações já era um fato consagrado, o que se refletiu na ideia rejeitada de um Código só para reger as obrigações, consoante projeto elaborado por jurisconsultos da estatura de Orozimbo Nonato, Hahnemann Guimarães e Philadelpho Azevedo”

 

Porém, obtempera Paulo Nader[5] que:

 

“Atualmente, tratando-se de relação de consumo, o contrato subordina-se ao Código de Defesa do Consumidor. Este Diploma aplica-se inclusive às Pessoas Jurídicas, ainda que comerciantes, quando figuram na relação como consumidor ou destinatário final da coisa”.

 

1.1. DA TERMINOLOGIA

 

 

A despeito de seu nome do instrumento “compra e venda” cabe consignar que em alguns países sua definição leva tem ênfase a ação de “venda”, como por exemplo na França e Itália, em que o contrato é definido como ‘de venda’ (contrato de venda e compra) ao passo que para o direito alemão é salientada a “compra”.

 

O direito positivo brasileiro, como salientam Paulo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho[6]“consagrou a denominação contrato de compra e venda, tal qual o Código Civil português e chileno, consoante podemos observar na análise do Novo Código Civil”.

 

1.2. DAS CARACTERISTICAS

 

 

            O Contrato de compra e venda é, em síntese, um contrato nominado ou típico, bilateral e sinalágmático, translativo de domínio, oneroso comutativo ou aleatório, dentre outras características.     

 

Sobre a afirmação de ser ele um instrumento contratual bilateral e sinalágmático, temos que a sua utilização denota para as partes direitos e deveres recíprocos entre si, eis que, de um lado, temos o vendedor, credor do preço e devedor da coisa, e do outro o comprador, credor da coisa e devedor do preço. 

                                   

Carlos Roberto Gonçalves, ao abordar a natureza jurídica do Contrato de Compra e Venda, lembra que[7]:

 

“Se não existisse a reciprocidade de obrigações haveria uma doação ou uma dação em pagamento. Essa característica faz com que as obrigações se entrelacem de tal modo que a execução da prestação de um dos contraentes é causa do adimplemento do outro”.               

                                   

Nesse esteio podemos afirmar que existe o caráter bilateral e sinalagmático mesmo que seja realizada a contratação na modalidade de “contrato consigo próprio” ou “autocontrato” por meio do qual em um polo obrigacional temos o agente atuando em interesse próprio e no outro, em nome próprio, mas, no interesse de terceiro que representa, por força de um instrumento de representação com poderes específicos, tal qual estatui o artigo 117 do código civil que diz:

 

Art. 117. Salvo se o permitir a lei ou o representado, é anulável o negócio jurídico que o representante, no seu interesse ou por conta de outrem, celebrar consigo mesmo.

 

              À esse respeito Orlando Gomes[8] esclarece:

 

“Em verdade, não há contrato consigo mesmo, porque a figura assim chamada só se torna possível em função do mecanismo da representação. Podendo o contrato ser concluído por meio representante, este, em vez de o estipular com terceiro, celebra consigo próprio. Por força da sua condição, reúne, assim, em sua pessoa, dois centros de interesses diversos, ocupando posições opostas de proponente e aceitante. No fundo, não realiza contrato consigo mesmo, senão com a pessoa a quem representa. A outra confusão decorre da suposição de que a regra da dualidade pessoal de partes não comporta exceção. É certo que, para quem não admite a natureza unilateral do autocontrato, há duas partes. A figura do autocontrato é equívoca, porque violenta o princípio da duplicidade de declarações de vontades, o que levou alguns tratadistas a considerá-lo negócio unilateral. Se o contrato é o encontro e a integração de duas vontades, pressupõe duas declarações, não sendo possível admitir-se que resulte de uma só. A essa objeção responde-se dizendo que o essencial para a formação do contrato é a integração de declarações animadas por interesses contrapostos. Na formação do autocontrato, o representante emite duas declarações distintas que consubstanciam os interesses dos quais se tornou o ponto de convergência”.

 

E conclui[9]:

 

“Admita-se, ou não, a explicação, aceite-se, ou não, a natureza contratual do autocontrato, a verdade é que, na prática, a hipótese não pode ser ignorada pelo direito”.

 

Continuando e, em harmonia aos ensinamentos do Professor Alvaro Villaça Azevedo[10], temos que o contrato de compra e venda trata da transferência de domínio, de coisas corpóreas, e não da propriedade imaterial, cuja transferência se perfaz pela cessão.

 

Em sentido contrário encontramos Caio Mário da Silva Pereira[11] considerando a possibilidade de transferir o domínio de coisa incorpórea pela compra e venda[12], como também Arnold Wald[13] que amplia a possibilidade de ser cerne do contrato de compra e venda “coisas corpóreas e incorpóreas, títulos, ações, créditos etc.”

 

Ainda discorrendo sobre a translatividade complementa Flávio Tartuce[14]:

 

“Trata-se de um contrato translativo, mas que por si só não gera a transmissão de propriedade”.

 

E prosseguindo no assunto, conclui[15]:

 

“Em outras palavras, o contrato é translativo no sentido de trazer como conteúdo a referida transmissão, que se perfaz pela tradição nos casos que envolvem bens móveis, ou pelo registro, nas hipóteses de bens imóveis”.

 

                                   

                Silvio Rodrigues[16], por seu turno, corrobora com o referido entendimento: 

 

“Com efeito, de acordo com a concepção romana, o contrato de compra e venda não basta, por si só, para transladar o domínio da coisa que constitui seu objeto. Há mister de se recorrer a um procedimento complementar, ou seja, a um modo de adquirir a propriedade, que é a traditio”.  

 

O julgado a seguir[17] do Superior Tribunal de Justiça demonstra essa realidade jurídica:

 

 

“Civil. Compra e venda. Imóvel. Transcrição. Matéria de prova. I. Ensina a doutrina que na compra e venda de imóvel a transcrição no registro imobiliário do título translativo da propriedade apenas completa, ainda que necessariamente, a operação iniciada com o contrato, ou qualquer outro negócio translativo. O modus é condicionado pelo titulus. O registro é ato automático, independente de providencias do transmitente. II. Em sede do Especial, inviável qualquer intento no sentido de reexame de matéria que envolva reavaliação de provas. III. Recurso não conhecido” (STJ, REsp 5.801/SP, 3ª. Turma, Rel. Min. Waldemar Zveiter, j. 10.12.1990, DJ 04.02.1991, p. 576).

 

À guisa de exemplo cabe citarmos a Súmula 489[18] do STF, bem como o teor do Artigo 1267 CC[19] que dizem:

 

Sumula 489 STF: A compra e venda de automóvel não prevalece contra terceiros, de boa-fé, se o contrato não foi transcrito no registro de títulos e documentos.

 

Art. 1.267 CC: A propriedade das coisas não se transfere pelos negócios jurídicos antes da tradição.

 

 

1.3. CENÁRIO INTERNACIONAL

 

 

Segundo os Ensinamentos do Prof. Washington de Barros Monteiro[20] atualmente o contrato de compra e venda pode ser observado sobre o prisma de três sistemas distintos: o francês, o alemão (que acompanhou o sistema romanístico que é aplicado no Brasil) e o soviético.  

 

               Iniciando nossa abordagem pelo primeiro deles temos que o Código Civil Francês, em seu artigo 1582 diz que:

 

“La vente est une convention par laquelle l'un s'oblige à livrer une chose, et l'autre à la payer. Elle peut être faite par acte authentique ou sous seing privé”[21]

 

 

 Apesar da aparente semelhança, cabe ao interprete especial atenção a literalidade de termos seguintes da norma francesa eis que naquele país a transferência da propriedade ocorre no momento em que o contrato se aperfeiçoa. Vejamos o teor do artigo 1583 do Código Civil Francês:

 

“Elle est parfaite entre les parties, et la propriété est acquise de droit à l'acheteur à l'égard du vendeur, dès qu'on est convenu de la chose et du prix, quoique la chose n'ait pas encore été livrée ni le prix payé.”[22]

 

 

 

                Orlando Gomes[23] acerca desta situação assevera que:

 

 “Na França tornara-se usual, nos contratos de compra e venda, a introdução de cláusula denominada dessaisine – saisine, que permitia a transmissão da propriedade por tradição ficta, dispensando, portanto, a entrega real e efetiva da coisa. O Código Civil presumiu a existência dessa cláusula em todo contrato de compra e venda, admitindo, por subentendimento, o que Portalis chamou a tradição civil. E, assim, embora houvesse definido a compra e venda como o contrato que cria a obrigação de entregar a coisa, admitiu, no art. 711, que a propriedade se transfere também por efeitos das obrigações, isto é, que se transmite por simples contrato”.

 

Um dos grandes responsáveis para que o Direito Civil Brasileiro não seguisse os passos do Direito Francês, Teixeira de Freitas, apud Professor José Fernando Simão[24] já ressaltava que:

 

"pelo Código Napoleão, os riscos da coisa vendida, bem como pela nossa legislação atual, também são por conta do comprador, ainda que a coisa não lhe tenha sido entregue. Mas no Direito francês tem-se evitado a contradição ao princípio - res suo domino perit - porque se entende que a coisa vendida se transmite para o domínio do comprador desde o momento do contrato, e sem dependência da tradição. Ora, sendo impossível que eu adotasse essa teoria do direito francês, tão falsa que no próprio código napoleônico se desmente por mais de uma inconseqüência, força era que em apartasse da nossa legislação atual". 

 

 

              A respeito do assunto Orlando Gomes[25] esclarece:

 

“A superioridade da construção romana é proclamada. Inúmeras dificuldades surgem na aplicação do princípio de que a propriedade se adquire soloconsenso principalmente como reconhecem seus próprios adeptos, na venda de coisa fungível, na venda de coisa futura, nas vendas sucessivas e na venda com reserva de domínio”.

 

Contudo, a França não está sozinha em seu entendimento. A Itália, abandonando a tradição romanística, acolheu em seu código civil em 1865 a teoria napoleônica e atualmente estampa em seu artigo 1.470:

 

la vendita è il contratto che ha per oggetto il transferimento della proprietà di una cosa o il transferimento di un altro diritto verso il corrispettivo di un Prezzo.[26]

 

 

               Em Portugal, também influenciada pelo modelo Francês, foi mantida na edição de seu ‘novo Código civil’ aprovado pelo Decreto-Lei nº. 47.344, de 25.11.1966 a venda com efeitos reais, como pode ser observado na redação do artigo 874 a seguir transcrita:

 

 

“Compra e venda é o contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa ou outro Direito, mediante um preço”.[27]

 

 

Logo, tanto na França, como na Itália e Portugal, temos que a venda se revela suficiente para a transferência de propriedade, produzindo eficácia real, diferentemente do Brasil (que se inclui na segunda classificação de sistema do Prof. Washington de Barros Monteiro) que exige para a transferência da propriedade outro ato complementar, qual seja, a tradição para coisas móveis e o registro em Cartório para os bens imóveis. 

 

O sistema soviético, por sua vez, se revela singular, por não se prender a transmissão da propriedade nem ao contrato, nem a traditio e consoante leciona Prof. Washington de Barros Monteiro:

 

“Por esse sistema, que, aliás não é original, os dois modos de aquisição são dotados de igual valor, porque tem cada um deles o próprio campo de aplicação. Realmente, quanto às coisas individualmente determinadas, a propriedade se adquire no momento em que se conclui o contrato; quanto as coisas determinadas apenas pelo gênero (que se contam, se pesam ou se medem), a aquisição é diferida para o instante da tradição”.

 

Finalizando, pontifica Washington de Barros Monteiro[28]:

 

“pertencem ao sistema jurídico francês os Códigos da Bélgica, Polônia, Romênia, Itália, Portugal, Bulgária e Venezuela; ao tedesco filiaram-se os Códigos da Áustria, Suíça, Hungria, República Tcheca, Sérvia, Holanda, Espanha e quase todos os países sul-americanos”.

 

 

1.4. SOBRE OS CARACTERES DE ONEROSIDADE COMUTATIVA E ALEATÓRIA

 

                                    

Integra também os caracteres do instrumento de compra e venda a ONEROSIDADE, eis que, conforme alude o Prof. Silvio Rodrigues[29], “implica sacrifício patrimonial para ambos os contratantes, visto que o comprador se provado preço e o vendedor da coisa vendida”.

                                   

E salienta[30]:

 

“A compra e venda, regra geral, é contrato comutativo, porque a estimativa da prestação a ser recebida por qualquer das partes pode ser feita no ato mesmo em que o contrato se aperfeiçoa. Isto é, quando o comprador oferece um preço por um imóvel, por um terno de roupa ou por um veículo, sabe qual a prestação que receberá em troca de seu dinheiro e, de certo modo, apraz-lhe o resultado antevisto.”

 

Contudo, o contrato também pode ser por via de exceção oneroso aleatório, se traduzir incerteza quanto a ocorrência de uma das prestações, por exemplo na compra de uma saca futura de café.

                                               

             Nessa linha Silvio de Salvo Venosa[31] ensina que:

 

“é contrato geralmente comutativo porque, no momento de sua conclusão, as partes conhecem o conteúdo de sua prestação. Admite-se a compra e venda aleatória quando uma das partes pode não conhecer de início o conteúdo de sua prestação, o que não suprime os fundamentos básicos do negócio”          

 

E sobre compra e venda aleatória Flávio Tartuce[32] enfatiza que:

 

“Eventualmente, incidirá o elemento álea ou sorte, podendo a compra e venda assumir a forma de contrato aleatório, envolvendo riscos. Em casos tais, surgem duas vendas aleatórias (arts. 458 a 461 do CC): i) venda de coisas futuras quanto a existência (art. 458 do CC) e à quantidade (art. 459 do CC); e ii) venda de coisas existentes mas expostas a risco (art. 460 do CC)”.  

 

            Trata o eminente professor das hipóteses de (a) venda da esperança quanto à existência da coisa ou venda da esperança (emptio spei); e (b) venda de esperança quanto á quantidade da coisa ou venda da esperança com coisa esperada (emptio rei speratae).

 

2. DO ARTIGO 482 CC

 

 

A redação do Artigo 482 do Código Civil está assim disposta:

 

“A compra e venda, quando pura, considerar-se-á obrigatória e perfeita, desde que as partes acordarem no objeto e no preço.”

 

Isto posto, temos que o Artigo 482 CC elenca o rol constitutivo dos elementos que devem balizar todo e qualquer contrato de compra e venda visando o aperfeiçoamento do negócio jurídico e sua consequente eficácia, sendo eles a coisa (res), o preço (pretium) e o consentimento (consensus).

 

Maria Helena Diniz[33] lembra, contudo que pode existir um quarto elemento a ser considerado:

 

“Esses elementos integrantes do contrato de compra e venda são comum a todos eles; todavia, há casos em que se pode acrescentar um quarto elemento: a forma, que seria essencial apenas àqueles contratos de compra e venda de bens imóveis que requeiram forma especial, isto é, escritura pública, para serem váidos e eficazes (CC, arts. 108 e 215). Determinados bens móveis só poderão ser transferidos por escritura pública, como as licenças ou contratos para explorer a distribuição de jornais (Dec-lei nº. 4.826/42, art. 5º.)”  

 

Passemos então a análise dos elementos essencias a toda e qualquer compra e venda:

 

  1. COISA (RES)

 

 Pode ser objeto de compra e venda qualquer coisa, desde que seja lícita, possível, determinada ou determinável, mesmo que futura[34] (art. 483 CC[35]) em sintonia com o que preceitua o artigo 104 do CC[36] que elenca os elementos de validade de todo e qualquer negócio jurídico.

 

Contudo, cabe aqui elencarmos as ressalvas de Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona[37] ao preceituarem que:

 

“Por óbvia razão, o bem, objeto do contrato de compra e venda, deverá ser coisa passível de circulação no comércio jurídico (a coisa não pode ser bem fora do comércio, seja por disposição de lei, contrato ou por sua propria natureza), certa e determinada (ou determinável), o que afasta, por consequência, todos os interesses não suscetíveis de aferição ou valor econômico esencial, como a honra, o nome, a integridade física, a vida etc.” 

 

E adverte[38]:

 

“Note-se, entretanto, que se o objeto do negócio forem direitos – e não coisas -, mais técnico seria denominá-lo contrato de cessão de direitos, em vez de contrato de compra e venda”.

 

Washington de Barros Monteiro[39] lembra que também são suscetíveis de compra e venda as coisas litigiosas; e adentra a polêmica de venda de coisas alheias apresentando as três principais posições e a simpatia à corrente de Espínola:

 

“O mesmo pode dizer, mutatus mutandi, da compra e venda de coisa alheia. Acerca dessa questão existe controvérsia em nosso Direito; Clóvis entende ser nula a venda de coisa alheia; Espínola admite sua validade; Carvalho Santos, por seu turno, assume a posição intermediária: a venda de coisa alheia é nula, mas se tornará válida quando o vendedor se obrigar a a entregar a coisa vendida, depois de adquirí-a do verdadeiro proprietário

 

A melhor doutrina, todavia, é a que sustenta a admissibilidade do ato, cuja eficácia dependerá, naturalmente, de sua ulterior revalidação pela superveniência do domínio”.

 

 

  1. PREÇO (PRETIUM)

 

Cabe às partes definirem um preço ao bem de forma equilibrada, não deixando ao alvedrio de uma das partes a sua fixação[40], cerne da negociação, em moeda corrente (princípio do nominalismo) em trânsito no mercado compreendido no território nacional (princípio do curso forçado), aceitando excepcionalmente moeda estrangeira no caso de contrato com o exterior, cujo montante deverá ser convertido para a moeda pátria na data do efetivo pagamento. 

 

Devemos também lembrar que o preço deve ser certo (fixado num valor ou cotação, determinado ou determinável futuramente), justo (equivalente ao valor real do bem) e verdadeiro, eis que o preço fictício desnatura o contrato[41].     

 

Adverte Paulo Nader[42] que “a fixação do preço é exercício da liberdade contractual, mas esta encontra o seu limite em normas de ordem pública quando há o tabelamento oficial e no princípio da boa- fé objetiva”. 

 

Não olvidemos do Enunciado 440 da V Jornada de Direito Civil cujo teor trata de precaução interpretativa a teoria da imprevisão:

 

É possível a revisão ou resolução por excessiva onerosidade em contratos aleatórios, desde que o evento superveniente, extraordinário e imprevisível não se relacione com a álea assumida no contrato.

 

  Aduz Paulo Nader[43], citando Aubry e Rau, que fixação do preço pode também ficar a cargo de terceiros, por exemplo, atribuindo esta tarefa a diversos peritos, por elas indicados ou nomeados pelo Juiz.

 

 

  1. CONSENTIMENTO (CONSENSUS)

 

 

O consenso é o elemento volitivo que integra os elementos estruturais de todo e qualquer negócio jurídico e não pode estar maculado, seja para o comprador ou o vendedor, a fim de que não fique vulnerável a eficácia do ato praticado pela identificação de algum vício tais como erro, dolo, coação, estado de perigo e/ou lesão.

 

               Nesse sentido, uma vez ajustada as partes quanto ao preço e o objeto, estará formada a relação jurídica.

 

               Cumpre também salientar que existem certas negociações narradas em contratos de compra e venda que ensejam alguns cuidados pelas partes diante de certas peculiaridades, tais como o consenso dos irmãos/conjuge na venda feita por ascendente a descendente, venda de coisa em condomínio sem observar o Direito de prelação legal do condômino, além das restrições do artigo 497 CC[44].

 

 

 

 

CONCLUSÃO

 

            Em que pese a curta redação empregada no teor dos artigos 481 e 482 do Código Civil vigente, por meio da qual encontramos no primeiro dispositivo a definição legal do Contrato de Compra e Venda e no segundo, o elenco de seus elementos constitutivos, temos que a larga utilização do referido instrumento contratual pela sociedade capitalista nos propicia uma rica interpretação de seus aspectos fundamentais, os quais, em nossa codificação pátria revelam contornos próprios inspirados no Direito Romano e distinguem-se,  desta forma, no cenário internacional do direito portugues, italiano e francês.

                        

            

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

BIBLIOGRAFIA

 

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Bevilaqua, Clóvis. Código Civil Comentado. Atualizado por Achilles e Isaías Beviláqua, 10ª ed., vol. IV. Rio de Janeiro: Ed. Paulo de Azevedo, 1955.

 

Diniz, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Volume 3. Direito Teoria das Obrigações Contratuais e Extracontratuais. 26ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

 

Gagliano, Paulo Stolze, e Filho, Rodolfo Pamplona. Novo Curso de Direito Civil – Volume 4 – Contratos em Espécie. Tomo II. 5ª. ed. rev. ampl. e at. São Paulo: Saraiva, 2012.

 

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Wald, Arnold. Cavalcanti, Ana Elizabeth L. W. Paesani, Liliana Minardi. Direito Civil. Contratos em Espécie. Volume 3. 20ª. Edição totalmente reform.com a colab. do Prof. Semy Glanz. São Paulo: Saraiva, 2015. 

 

 

BIBLIOGRAFIA VIRTUAL

 

Artigo do Professor José Fernando Simão acessado em 

http://www.cartaforense.com.br/conteudo/colunas/res-perit-domino-e-sua-origem-historica/3449

 no dia 09/03/18.


 

[1] Contratos. atualizado por Humberto Theodoro Júnior. 25ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p.221.

[2] Código Civil Comentado. Atualizado por Achilles e Isaías Beviláqua, 10ª ed., vol. IV. Rio de Janeiro: Ed. Paulo de Azevedo, 1955, p. 236.

[3] Direito Civil Brasileiro. Volume 3. Contratos e Atos Unilaterais. 7ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 215.

[4] Idem. Ibidem. p. 215.

[5] Curso de Direito Civil. Vol. 3. Contratos. 4ª. ed. rev. e at. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 157.

[6] Novo Curso de Direito Civil – Volume 4 – Contratos em Espécie. Tomo II. 5ª. ed. rev. ampl. e at. São Paulo: Saraiva, 2012.  p. 39.

[7] Op. cit, p. 217.

[8] Op. cit. p.85.

[9] Idem. ibidem. p. 85.

[10] Comentários ao novo Código Civil. Das Várias Espécies de Contrato de Compra e Venda. Do Compromisso de Compra e Venda. Art.s 481 a 532. Volume VII. 2ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 36.

[11] Instituições de Direito Civil. Volume III. Contratos. 14ª. Ed. Rev. e At. Por Regis Fichtner. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p.146.

[12] “Compra e venda é o contrato em que uma pessoa (vendedor) se obriga a transferir a outra pessoa (comprador) o domínio de uma coisa corpórea ou incorpórea, mediante o pagamento de certo preço em dinheiro ou valor fiduciário correspondente”. (destaque nosso).

[13] Direito Civil. Contratos em Espécie. Volume 3. 20ª. Edição totalmente reform.com a colab. do Prof. Semy Glanz. São Paulo: Saraiva, 2015. p.31.

[14] Manual de Direito Civil – Volume Único. 6. Ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 704.

[15] Idem. Ibidem. p. 704. 

[16] Direito Civil. Volume 3. Dos Contratos e das Declarações Unilaterais de Vontade. 30ª. ed. atualizada.  4ª. tiragem. São Paulo: Saraiva, 2007.  p. 140.

[17] Citado na Obra do Professor Flávio Tartuce, retrocitada. p. 704.

[18] “A compra e venda de automóvel não prevalece contra terceiros, de boa-fé, se o contrato não foi transcrito no registro de títulos e documentos”.

[19] Art. 1.267 CC. A propriedade das coisas não se transfere pelos negócios jurídicos antes da tradição.

[20] Curso de Direito Civil. Direito das Obrigações – 2ª. parte. Atualizado por Carlos Alberto Dabus Maluf e Regina Beatriz Tavares da Silva. Volume 5. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 90.

[21] Em uma tradução livre “A venda é um acordo pelo qual um é obrigado a entregar uma coisa e o outro a pagar. Ele pode ser feito por escritura ou escrito privado”.

[22] Em uma tradução livre “É perfeito entre as partes, e a propriedade é adquirida por direito ao comprador em relação ao vendedor, assim que a coisa e o preço tenham sido acordados, embora o bem ainda não tenha sido entregue, nem o preço pago”.

[23] Op.Cit, p. 225.

[24] In http://www.cartaforense.com.br/conteudo/colunas/res-perit-domino-e-sua-origem-historica/3449 acessado em 09/03/18.

[25] Op. cit. p. 225.

[26] Em uma tradução livre “a venda é o contrato que tem como objeto a transferência de propriedade de uma coisa ou a transferência de outro direito para a contrapartida de um preço”.

[27] No anterior Código Civil Português de 1867 a estipulação era ainda mais clara ao descrever em seu art. 1.549 que “A coisa comprada pertence ao comprador, desde o momento em que o contrato é celebrado, bem como, desde esse momento, fica o vendedor com direito a haver do comprador o preço estipulado”.

[28] Op. cit. p. 91.

[29] Dos Contratos e das Declarações Unilaterais da Vontade. Volume 3. 30ª. ed. at. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 143.

[30] Idem. Ibidem.

[31] Direito Civil. Contratos em Espécie. Vol. III. 3ª.ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 29.

[32] Direito Civil. Contratos em Espécie. Vol. 3. Rio de Janeiro: Forense, 2018.p. 295.

[33] Curso de Direito Civil Brasileiro. Volume 3. Direito Teoria das Obrigações Contratuais e Extracontratuais. 26ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p.177.

[34] emptio spei e emptio rei speratae.

[35] Art. 483 CC. A compra e venda pode ter por objeto coisa atual ou futura. Neste caso, ficará sem efeito o contrato se esta não vier a existir, salvo se a intenção das partes era de concluir contrato aleatório.

[36] Art. 104 CC. A validade do negócio jurídico requer:

I - agente capaz;

II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável;

III - forma prescrita ou não defesa em lei.

[37] Op. cit. p.46.

[38] Op. cit. p. 47.

[39] Op. cit. p. 93.

[40] Art. 489 CC. Nulo é o contrato de compra e venda, quando se deixa ao arbítrio exclusivo de uma das partes a fixação do preço.

[41] Lisboa, Roberto Senise. Manual de Direito Civil. Volume 3. Contratos. 4ª. edição ref. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 163.

[42] Op. cit. p. 158.

[43] Idem, ibidem.

[44] Art. 497 CC. Sob pena de nulidade, não podem ser comprados, ainda que em hasta pública:

I - pelos tutores, curadores, testamenteiros e administradores, os bens confiados à sua guarda ou administração;

II - pelos servidores públicos, em geral, os bens ou direitos da pessoa jurídica a que servirem, ou que estejam sob sua administração direta ou indireta;

III - pelos juízes, secretários de tribunais, arbitradores, peritos e outros serventuários ou auxiliares da justiça, os bens ou direitos sobre que se litigar em tribunal, juízo ou conselho, no lugar onde servirem, ou a que se estender a sua autoridade;

IV - pelos leiloeiros e seus prepostos, os bens de cuja venda estejam encarregados.

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