A proibição de menores desacompanhados dos pais ingressarem no Shopping Center

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A partir de 2015 alguns municípios do Estado de São Paulo como o de Ribeirão Preto, Franca e São José do Rio Preto, bem como em Minas Gerais as Associações de Shopping Centers passaram a procurar o Poder Judiciário visando a proibição do acesso de menores em seus estabelecimentos.

Tais situações não são por nós desconhecidas uma vez que vivenciamos em São Paulo nos idos de 2013 e 2014 a mesma questão e desespero dos lojistas que não sabiam como lidar com inúmeros adolescentes nos corredores dos Shopping´s  principalmente por não possuírem classe social similar àquela dos seus frequentadores habituais.

Ademais cabe lamentar que seja usada a Justiça da Infância e Adolescência para tratar de um caso como este que na realidade versa sobre a falta de diálogo social, a falência do Estado e da própria sociedade em gerar ou incentivar políticas públicas para propiciar aos seus munícipes menores ou não, entretenimento e lazer.

O papel do Juízo da infância é muito maior e mais nobre ao que o estão reduzindo nesse caso. Deve ser ele o primeiro a zelar pela obediência irrestrita dos poderes públicos e de toda sociedade às garantias constitucionalmente previstas em nossa Lei Maior. Essa decisão não resolve o problema e agrava mais ainda o já existente sectarismo à classes marginalizadas pois busca uma solução em termos policialescos sem dar acesso a população para a sua defesa.

É curioso notar que a mentalidade consumista veiculada continuamente pela mídia é fomentada pelos proprietários das cobiçadas marcas vendidas dentro do shopping, ou seja, se por um lado não se mede esforços para alcançar o público infanto-adolescente no mercado de consumo (de tal sorte que hoje a mentalidade predominante é a do “ter” quando na verdade deveria buscar a do “ser”) por outro se busca no Judiciário uma contenção ao comparecimento em massa desses consumidores de baixa renda ao templo-Mor do consumo, que é o Shopping Center.

Traduzindo: a “vitima” busca proteção e repressão àquilo que ela própria semeia insistentemente 24 horas por dia.

A questão é complexa, revela incompreensão aos movimentos sociais emergentes, a ausência de diálogo com a população e exige reflexão e a aceitação de preconceitos que todos nós temos.

A maioria desses jovens que comparecem ao shopping não tem esgoto em casa, asfalto na rua, escola decente ou mesmo uma praça perto de sua residência, sobrando assim poucas opções de lazer. 

 

Será que a proibição almejada não gera mais exclusão e uma negativa de se enfrentar um drama social ? 

 

A propósito porque em algumas decisões o adolescente não pode entrar no shopping desacompanhado dos pais somente às sextas-feiras e sábados à noite?

 

Em sede de direitos fundamentais qual é a diferença entre uma segunda ou uma sexta-feira para o exercício do direito de ir e vir? Como se fundamenta isso?

Em nosso entender há uma falta sensibilidade geral. Seja pelo empresário que enaltece o consumismo e o eleva a uma condição sagrada para o sucesso, seja pela mídia que propaga essas ideias, pela sociedade que as acolhe e pelo Poder Público que se omite em checar a realidade de sua região/ de seus munícipes e de implementar efetivas políticas públicas preventivas para que não haja uma migração de pessoas, todas para um mesmo lugar, diante das escassas oportunidades de lazer na região. 

Necessitamos assim fomentar eventos culturais enaltecendo arte, música, literatura, esportes (etc) numa agenda permanente que viabilize facilidade de acesso ao entretenimento e sedimentação de bons valores sociais que ajudem a formar o futuro adulto do amanhã.

Assim fica evidente que estamos perdendo uma valiosa oportunidade de analisarmos o fenômeno social do “rolezinho”. A questão que está sendo tratada como um ato transgressor de rebeldia juvenil merecedora da severidade repressora da lei revela a hipocrisia de uma sociedade que se vale de subterfúgios para esconder questões sociais muito mais graves e perigosas que ficam, aparentemente por conveniência, fora da apreciação do caso.

Lembramos porém que o dever de zelar pela infância e adolescência não deve ficar apenas relegado ao Estado pois a CF em seu artigo 227 já dizia, desde 1988, que esse dever se estende também a família e à sociedade, porém em qualquer desses entes sociais vemos que pouco ou quase nada foi feito - ao contrário - só notamos repressão, violência, repulsa e segregação.

 

A Seção Bandeirante da Ordem dos Advogados do Brasil em 2014, por meio de sua Comissão Especial de Direitos Infantojuvenis, na ocasião presidida por este subscritor, quando do episódio ocorrido na Capital reuniu representantes da Advocacia, Magistratura, Associação de Shopping Centers e demais representantes da sociedade Civil para debater o assunto e refletir possíveis soluções. 

Ao final reinou o consenso de que não era o Judiciário que deveria cercear o ingresso de menores no shopping, mesmo porque o Shopping em São Paulo sempre foi sinônimo de “balada” dos adolescentes.

Os Shopping´s centers, espaços privados que são abertos ao público, tem uma função social importantíssima de natureza pública não obstante o fato de viverem do faturamento de suas vendas de produtos e serviços, as quais cada dia são mais impulsionadas junto às populações das classes economicamente inferiores, sendo certo que, o cerceamento de ingresso de adolescentes obviamente inocorreria se os mesmos fossem oriundos de classes abastadas.

Se o argumento invocado da lotação prosperasse por que então não se busca uma medida para proibir a lotação do Shopping perto do dia das mães ou no natal?

Obvio que o mote não é a quantidade de pessoas no Shopping mas a “qualidade” e “potencial” econômico dessas pessoas.

Quanto ao argumento da balbúrdia, bagunça, tumulto ou mau comportamento dos adolescentes lembramos que a responsabilização do menor infrator no Brasil, se inicia aos 12 anos! Logo se temos um jovem perturbando o sossego, depredando patrimônio alheio ou causando tumulto (dentre outras condutas tipificadas na lei) não só pode como deve sofrer a competente sanção. Contudo, não é proibindo o acesso de adolescentes aos Shopping´s que iremos avançar e evoluir precisamos refletir sobre a gênese da questão, caso contrário somente trabalharemos em cima de consequências e não erradicaremos a causa do problema.

 

Malgrado se a sociedade está buscando a cada dia a responsabilização mais precoce e severa do adolescente, será que junto com a cobrança dos deveres também não deveriam vir direitos?

Reflitamos, pois, essa realidade está próxima a nós e não é ignorando que resolveremos o problema que tende a se agravar com medidas sectaristas e preconceituosas.

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