A polêmica em torno dos "funkeiros mirins"

Artigos - Ricardo de Moraes Cabezón

Não é novidade que crianças de 07 a 11 anos estão protagonizando inúmeros vídeos na internet fazendo coreografias obscenas e entoando músicas com letras extremamente degradantes do ponto de vista moral, seja por (a) reduzir a imagem a mulher a um mero objeto de satisfação sexual do homem; (b) enaltecer poder bélico de determinados traficantes ou mesmo de determinada facção; (c) exaltar o consumismo e ostentação; (d)banalizar a realização do ato sexual; (e) fazer apologia a drogas etc.

Esses vídeos polêmicos do intitulado “funk proibidão” rendem milhares acessos de usuários da internet fazendo da criança uma celebridade mirim, a qual estereotipada pelo teor das letras que entoa, acaba vivenciando uma realidade distinta daquela que uma criança “comum” tem, qual seja, de ir à escola, fazer lição de casa, estudar, sedimentar valores morais e éticos, desenvolver suas habilidades cognitivas, ajudar nos deveres domésticos etc. 

A rotina da grande maioria, senão absoluta das “celebridades mirins” passou a ser de cumprir uma agenda apertada de shows e apresentações no período noturno, além de a cada dia se superarem mais com a adoção de trejeitos e comportamentos que em adultos já seriam questionáveis (uma verdadeira transposição da infância).

A preocupação constante a que são submetidas é a de ensaiarem novas coreografias, gravarem novos vídeos cada vez mais ousados e deprimentes do ponto de vista moral, além de prover o sustento de sua família, de seu empresário, produtor e de tantos outros que exploram sua imagem e trabalho.

 

Que fique claro que não se trata de repulsa ou censura a determinado estilo musical (seja funk, axé, forró, pagode, sertanejo, samba, rock, lambada etc) até porque a diversidade cultural sempre foi algo muito presente na sociedade brasileira e que todos nós devemos respeitar, em que pese alguns gostarem de determinados ritmos musicais e outros não.

O que repudiamos é a exploração da imagem da criança que ficará rotulada e estigmatizada. Esse é o nosso foco: a indisponibilidade do infante que não é objeto de pertencimento de seus pais e/ ou de terceiros que não podem fazer dela o que desejarem.

No Brasil o trabalho infantil é proibido à menores de 14 anos, sendo que dos 14 aos 16 anos pode ser realizado na condição de aprendiz e a partir dos dezesseis há amparo na lei para se trabalhar, desde que não seja em horário noturno.

Locais insalubres, perigosos, prejudiciais ao seu desenvolvimento ou mesmo que lhe afastem da escola também são proibidos. Só para ter uma ideia em 2011 tínhamos uma estatística de mais de 3,7 MILHÕES de crianças e adolescentes trabalhando de forma ilícita.

Casos excepcionais como o de crianças que eventualmente irão figurar em uma novela, comercial, concurso de calouros mirins, programas infantis (etc) são apreciados com cautela pelo Poder Judiciário que deverá emitir autorização prévia (ou seja, antes do evento) e exigirá para tanto informações detalhadas sobre o local, carga de trabalho, roteiro, disponibilidade de sanitário, água e outros dados para que possa se pronunciar.

A pergunta que muitas vezes se faz é: essas situações dos "funkeiros mirins" podem caracterizar exploração do trabalho infantil por parte dos pais, produtores, empresários etc, uma vez que que se valem da imagem e do trabalho da criança sem qualquer autorização do Poder Judiciário?

Pois bem. No Brasil o trabalho infantil não está previsto como crime exceto nas hipóteses de tráfico de crianças e adolescentes, exploração sexual, trabalho escravo e/ou a utilização dos menores para tráfico de drogas.

Nesse sentido, há quem defenda que a conduta dessas pessoas que exploram menores pode SIM, nos casos mais extremos, caracterizar exploração sexual pois, além de fomentarem nitidamente a erotização dos menores dela se valem para potencializar seus lucros, chegando a ter casos (já veiculados largamente pela mídia) em que há enfática e habitual simulação do ato sexual nos shows (e outras situações em que a "simulação" vai bem além ...).

Malgrado, sabemos que assunto é polêmico e por essa razão entendemos que não é aconselhável criar uma regra geral para todos os casos: sempre devemos analisar meticulosamente o alcance e a extensão da norma diante da particularidade da casuística ocorrida.

Independentemente disso é certo que os pais podem perder o poder familiar, serem obrigados a frequentar e levar a criança a tratamento psicológico além de concorrerem colocação de seu filho em família substituta, dentre outras medidas de segurança pertinentes.

Outra pergunta que surge é: porque demora tanto para retirar o vídeo da internet e/ou proibir a apresentação de determinada criança em bailes funks ou fluxos?

A descoberta sobre a autoria do vídeo, aonde foi feito, quem é a criança, aonde mora, quem são seus pais não é muito fácil.

Contudo independentemente de tal apuração os termos do art. 227 da CF, os princípios de ECA e o advento do Marco Civil da Internet, Lei 12.965/14, artigo 21, permite a possibilidade de retirada de material improprio que contenha cenas de nudez ou de atos sexuais de caráter privado, pedido esse que pode ser realizado pelo Ministério Público por meio de sua competência para atuação em questões de direitos difusos e coletivos, razão pela qual a participação da população denunciando ais violações se revela fundamental para que haja uma celeridade na coibição desse tipo de situação.

Por fim não podemos deixar de comentar o aspecto mais triste de tudo isso. Esse tipo de situação acaba gerando na criança, além da deturpação de valores sociais, a retirada precoce de sua INOCÊNCIA, um atributo que, ao se perder, não tem mais volta, um verdadeiro e horrendo crime de subtração do direito de se ter infância!

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